Por Hélio Caled - foto de Elder Guedes
Os prefeitos da Região Metropolitana de Belo Horizonte talvez ainda não tenham se dado conta, mas pelo menos perante a lei, já foram rebaixados para meros gerentes de suas respectivas cidades e, na prática terão que submeter diversos atos que antes dependiam exclusivamente de sua caneta à futura Agência de Desenvolvimento Metropolitano. E em setores particularmente “sensíveis” na relação com seus eleitores e com lideranças empresariais e políticas locais. Doravante, decisões dos chefes dos executivos municipais da RMBH em questões imobiliárias, saneamento, limpeza, trânsito e transportes urbanos, entre outras, só terão valor após chancela da Agência, conforme lei que acaba de ser sancionada pelo governador Aécio Neves.
Com base nas leis aprovadas pela assembléia e sancionadas pelo governador, um novo modelo de governança pública será aos poucos implantado. A justificativa oficial é a tentativa de se conseguir equilibrar necessidades técnicas com interesses políticos. Por força da lei, as cidades integrantes do colar metropolitano – como Sete Lagoas, Itabirito, Ouro Preto, entre outras – também passam obrigatoriamente a se submeter a este jugo.
Otimistas dizem que a Agência de Desenvolvimento Metropolitano chega para por fim à notória e histórica omissão dos prefeitos da região metropolitana que nada fizeram para, por exemplo, coibir a expansão imobiliária desordenada que culminou na execrável e vergonhosa favelização da periferia de BH. Este fenômeno ocorre desde a década de 80, sob o cândido olhar e o beneplácito dos prefeitos, com especial destaque para os que, nos últimos anos, estiveram à frente das prefeituras de Belo Horizonte, Ribeirão das Neves, Esmeraldas, Ibirité, Vespasiano, Betim, Contagem, Santa Luzia e Sabará. Não são poucos os casos em que prefeitos e vereadores são acusados de tirar proveito destes avanços imobiliários, transformando os novos bairros – ou seja lá que nome se possa dar aos aglomerados que pipocam da noite para o dia em todo canto – transformando-os em redutos (currais?) eleitorais.
Qualquer um, num passeio despretensioso pela Grande BH, pode constatar o relaxamento dos administradores municipais no que tange à ordenação urbanística das cidades. Se, porém, se der ao trabalho de cruzar as expansões autorizadas com os mapas de votação de alguns candidatos eleitos, facilmente deduzirá que há uma relação promíscua entre imobiliárias, incorporadoras e certos agentes políticos aos quais a pobre região metropolitana dos mineiros se viu entregue nas últimas décadas. Uma matilha que reúne lobos travestidos de empresários, com outros caninos, não menos vorazes, escondidos sob o manto falso de probos administradores das coisas públicas.
No quesito “zelo com ordenação urbanística”, alguns prefeitos da região metropolitana tiram nota zero. As irregularidades na expansão urbana são tão comuns que fazem com que a opinião pública – com absurda anuência da imprensa preocupada apenas em aumentar audiência e venda de jornais – passa considerar dever do poder público municipal despesas que, por lei, caberia a quem criou o loteamento. Assim, muitos municípios, acuados pelo populacho em fúria e pelos microfones nervosos, acaba por arcar com custos que não lhe caberiam, deixando de investir em saúde e educação para pavimentar, iluminar e sanear investimentos imobiliários que encheram as burras de particulares nada escupulosos.
Engano? Desconhecimento das leis? Seja qual for a justificativa esfarrapada, os grandes culpados por tais miopias interpretativas são os próprios prefeitos ao passarem por cima da Lei Federal que regulamenta o parcelamento do solo. Esta lei estabelece que os custos com implantação prévia de infraestruturas urbanísticas (pavimentação, saneamento, iluminação, equipamentos públicos em geral), são de inteira e absoluta responsabilidade do empreendedor imobiliário, a quem cabe concluí-las antes da chegada dos primeiros moradores aos lotes que lhes são vendidos. Isto vale também para os programas de moradias tocados pelas prefeituras.
Mas na prática, o que se vê é uma perniciosa cumplicidade entre prefeituras e incorporadores imobiliários. Contando com a omissão (ou intere$$e) de vereadores irresponsáveis, e as vistas grossas que costumam fazer órgãos estaduais a quem daberia fiscalizar a expansão urbana sem respeito ao meio ambiente – aqui cabe incluir até mesmo os midiáticos membros do Ministério Público – prefeitos se fartam e deixam que outros se fartem, permitindo que a expansão urbana em seus municípios ocorra sem a mais mínima observância dos ditames legais. E o fazem sem muito esforço: basta que afrouxem a fiscalização dos loteamentos irregulares e das invasões.
Uma vez adquirido o terreno, considerando-se feliz realizador do mais acalentado dos sonhos brasileiros – o da casa própria – o incauto cidadão que adquiriu o terreninho, ainda que em encosta encravado, não quer nem saber, com todo direito e razão, a quem cabe a responsabilidade legal de lhe atender as necessidades básicas a que faz jus todo aquele que recolhe imposto. E dá-lhe pressão no ocupante da cadeira de prefeito, na maioria sucessor daquele que, conluiado com empresários sem caráter, permitiu que o pobre trabalhador comprasse o lote sem a infraestrutura que a lei determina. E é um tal de queremos asfalto, queremos luz, passeata pedindo água, protesto nas ruas pela construção de escolas e posto de saúde, exigência de implantação de linha de ônibus, etc, etc, num rosário sem fim que reverbera, forte e sonante, na imprensa vigilante, sempre atenta aos interesses do povo – ouvintes, leitores, telespectadores. Nenhum deles questiona, porém, como nasceu aquela necessidade. Nenhum veículo procura saber a quem coube a responsabilidade por se deixar que pessoas fossem morar naquela região sem a estrutura devida.
Acuado, muitos prefeitos acabam tirando recursos de outras áreas (a saúde e a segurança são as que mais perdem) para suprir as comunidades periféricas com infraestrutura básica, a qual, nunca é demais repetir, deveria ser encargo do empreendedor imobiliário.
A legislação federal determina que a expansão urbana das cidades ocorra com base no Plano Diretor, e nos casos dos aglomerados de cidades, onde surgem as malfadadas áreas de conurbação que formam as regiões metropolitanas, a Constituição Federal prevê que os Estados podem puxar para si a responsabilidade de regulamentar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum das cidades localizadas nestas regiões, como agora faz o governo de Minas com a criação da Agência de Desenvolvimento Metropolitano.
Aproveitando a brecha prevista na lei federal, em 2005 o deputado estadual petista Roberto de Carvalho (ironicamente hoje ocupante da vaga de vice-prefeito de BH) conseguiu a aprovação, pela Assembléia Legislativa, de lei complementar estabelecendo o modelo de gestão das regiões metropolitanas em Minas, para o que contou com entusiasmado apoio do então secretário de Estado Manoel Costa. (Estranho por que Costa ocupa a pasta Extraordinária para Assuntos da Reforma Agrária, que nada tem a ver, ao que se saiba, com ocupações URBANAS). Mas Carvalho também foi apoiado pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Regional e Política Urbana – SEDRU – que, no caso equivale dizer que obteve o indefectível apoio do Palácio da Liberdade. O relator da lei foi o hoje deputado federal Leonardo Quintão, aquele mesmo que, posteriormente, como candidato a prefeito de BH, tirou da monotonia a campanha eleitoral da capital em 2008.
Na época, a GRAMBEL – associação de defesa dos interesses dos municípios metropolitanos – cochilou e não fez valer seu poder de mobilização para acompanhar a tramitação da lei. Quando os prefeitos assustaram a lei já havia sido sancionada pelo governador. O presidente da GRAMBEL era o então prefeito de Pedro Leopoldo, Marcelo Gonçalves, do PDT, mesmo partido do deputado Manoel Costa.
Recentemente, o governador Aécio Neves deu o último passo legal que, na prática, suprime dos prefeitos o poder de gestão sobre o solo metropolitano com a sanção da lei que cria a Agência de Desenvolvimento Metropolitano.
Mas, não será surpresa se daqui a pouco o nome da novíssima agência começar a ser associado ao do ex-prefeito da capital, Fernando Pimentel. Sem espaço no governo estadual, abandonado pelos ex-companheiros de legenda no PT, que prometiam-lhe mundos e fundos para quando deixasse a prefeitura e sem qualquer espaço que lhe dê visibilidade política para traçar seu caminho rumo a 2010, Pimentel quer dar as cartas nesta agência. Se conseguir ocupar o cargo não é nada a se desprezar. Afinal, a Agência vai administrar as periferias da região metropolitana de BH, onde se escondem milhares de redutos eleitorais de políticos que de um jeito ou de outro poderão ter que passar a beijar-lhe a mão. Um poder político nada desprezível!
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