domingo, 28 de dezembro de 2008

Comentarista manda Aécio aprender política com as almas de seus avós




Abreu Saldanha aconselha o governador de Minas, Aécio Neves a aprender política com as almas de seus avós Tancredo Neves e Tristão da Cunha para enfrentar a enésima tentativa, em tramitação na Câmara Federal, de desmembramento de Minas e criação do Estado do Triângulo.




Um novo-velho problema para Aécio

Não bastassem as chuvas torrenciais que provocaram estragos e mortes em praticamente todo o Estado, o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), vê-se agora, no ocaso do ano, às voltas com um novo-velho problema, que muitos julgavam tão sepultado quanto os restos mortais de Aleijadinho e Dona Beja: a tese da emancipação do Triângulo e consequente desmembramento da mais rica região do Estado, com a criação de uma nova unidade na federação brasileira.

O fantasma foi novamente fustigado por obra e arte do jovem deputado – do Triângulo, naturalmente – Elismar Prado, eleito pelo PT de Uberlândia, terceiro colégio eleitoral de Minas. A justificativa de Prado, que encontrou eco na Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados, é demasiado conhecida. O parlamentar usa o velho argumento da injusta distribuição de tributos, alegando que o Triângulo contribui com quase 20% das riquezas de Minas e recebe bem menos que isto em investimentos do governo.

Elismar Prado pertence à nova safra política de Uberlândia. Sua família já está se transformando em baluarte da esquerda uberlandense. Sua irmã, Liza Prado, ex-líder estudantil, militou em praticamente todas as legendas ditas de esquerda (do PCdoB ao PT) até se abancar comodamente no PSB, pelo qual se elegeu este ano como a vereadora mais bem votada da história da cidade. O irmão mais novo é o prodígio da família. Deputado estadual mais jovem de Minas, Wellington Prado, do PT, 36 anos – tinha menos de 30 quando disputou e ganhou sua primeira eleição – além da avalanche de votos que o consagrou, de quebra conseguiu catapultar o irmão três anos mais velho para a Câmara Federal. Wellington depois arriscou vôo mais alto e disputou a prefeitura de Uberlândia, mas foi fragorosamente derrotado pelo aliado de Aécio na campanha municipal deste ano, o prefeito reeleito Odelmo Leão (PP), outro baluarte de corrente política, mas, no caso, da chamada direita.

A derrota de Wellington, porém, não parece desanimar a trupe dos Prado. Apelidados pelos adversários de “cabeludos do PT” por conta da vasta e démodé cabeleira que insistem em ostentar, Elismar e Wellington, com apoio da irmã mais velha, parecem continuar sendo a pedrinha do sapato de Aécio na região onde o governador aparece com seu menor índice de aceitação, embora também muito alto.

Na Assembléia, Wellington Prado ensaiou e regeu desde o primeiro dia do primeiro mandato do governador, em 2003, um pequeno mas barulhento grupo de roqueiros que faz lembrar a famosa e não menos barulhenta banda de música da UDN nos idos anos 50 e 60. Voz quase única no deserto da oposição a Aécio no Legislativo estadual, foi ferrenho crítico do governo do tucano e encabeçou uma luta junto ao Ministério Público contra o valor das contas de energia cobradas pela Cemig, a principal e mais rica empresa estatal mineira.

Não deu o resultado esperado, mas o “cacifou” para disputar a prefeitura de Uberlândia e preparar terreno para um plano mais ousado: o menino quer sair da Assembléia de Minas para o Senado, ou seja, do Palácio da Inconfidência para a Casa de Rui Barbosa.

A nova campanha pelo desmembramento do Nariz de Minas pode até ser apenas mais uma das inúmeras armas do arsenal da família Prado para atazanar Aécio e seus amigos palacianos. Mas, se vingar, a proposta de Elismar Prado imporá aos mineiros a incômoda posição de ver seu torrão fatiado, o que, naturalmente, implicará em sérios desgastes para a imagem do morador de plantão do Palácio da Liberdade. A rigor, o simples fato de o tema voltar à baila já é desgastante para quem governa.

O Projeto de Decreto Legislativo aprovado na Comissão de Integração Nacional prevê a realização de plebiscito sobre a criação do novo Estado apenas nos 66 municípios que o integrariam, deixando de fora da consulta os cidadãos das outras 787 cidades mineiras. E o resultado, caso se concretize o plebiscito, é para lá de previsível: Minas perderá de lavada. Dados do próprio autor da proposta indicam que mais de 70% da população do Triângulo são favoráveis à emancipação.

Para quem vinha mantendo os olhos fixos no Planalto Central e a cabeça dividida entre as nuvens e a cadeira de Lula, é bom o neto do dr. Tancredo aproveitar os dias parados dos festejos de fim de ano para remexer as estantes do velho Solar dos Neves em São João del Rey. Lá, com certeza vai descobrir, entre os escritos e alfarrábios de seus avós, algo que o ajude a enfrentar a nova batalha que se anuncia. Afinal, Aécio descende do cruzamento de ex-adversários oriundos de duas das mais tradicionais famílias políticas de Minas – os Neves, que mandavam no PSD, e os Cunha, donos da UDN no Estado. Decerto, entre escritos e discursos dos avós Tancredo de Almeida Neves e Tristão Ferreira da Cunha, hábil líder do Vale do Mucuri e vasta parte do Norte mineiro, Aécio poderá encontrar achados particularmente interessantes para momentos de tormenta.

Se der sorte, achará aulas completas de política dadas por quem conhecia, como poucos, a alma do povo das Gerais. Com a ajuda de tais mestres, Aécio – quem sabe? – poderia aprender até a ver para além do rio das Velhas, nas cercanias da Capital. Em vez de passear tanto pelo Leblon e Copacabana e dedicar tanta preocupação ao que se passa no Palácio dos Bandeirantes, as almas de seus avós poder-lhe-iam ensinar que a sabedoria política em Minas está em olhar as montanhas sem jamais perder de vista os chapadões do Triângulo.

Porém, para desencanto de muitos, em especial as almas dos vovôs Tancredo e Tristão, Aécio Neves da Cunha já mandou a Assessoria de Comunicação do Palácio da Liberdade soltar nota à imprensa em que comunica aos mineiros que, passado o Natal, viajará para a Bahia, onde, entre batidas, acarajés e acepipes do gênero, dificilmente terá tempo para pensar nos ricos ensinamentos que seus antepassados poderiam estar a lhe legar.


Abreu Saldanha, de Belo Horizonte, 27 de dezembro de 2008